O que era esse trajeto de cahique ainda poderão dizer alguns freqüentadores de Therezopolis, desse tempo!
Consistiu o melhoramento aludido, na abertura de um canal dragado, com 1.000 metros de extensão, e na construção de uma ponte de 100 metros, com flutuante, para a atracação das referidas barcas.
A execução dessa obra tem sua historia que aqui vamos resumir. Sua origem prende-se à concessão da ligação de Areal a Entre Rios, na E. F. Leopoldina.
Pelo decreto no. 427 de 21 de Dezembro de 1897, foi dada essa concessão pela fórma seguinte:
O Dr. Joaquim Mauricio de Abreu, presidente do Estado do Rio de Janeiro, usando da faculdade que lê dá o art. 2º. Da lei no. 50 de 30 de Janeiro de 1894, e attendendo ao requerido pelo cidadão José Augusto vieira, faz-lhe concessão do privilegio para construir a estrada de ferro do Areal, na via-ferrea Grão-Pará, à de Entre-Rios, na Estrada de Ferro Central do Brasil, seguindo o valle do Piabanha
O Secretário de Estado das Obras Publicas e industriais assim o tenha entendido e o faça executar.
Palácio do Governo do Estado do Rio de janeiro, Petrópolis, 21 de Dezembro de 1897. – Dr. Joaquim Mauricio de Abreu – Cypriano J. de Carvalho.
Essa ligação era aspiração antiga do Estado do Rio de Janeiro. A Companhia E. F. Leopoldina, em más condições financeiras, nessa época, não podia fazer. Era ainda empresa brasileira.
Atendendo a prova de capacidade demonstrada na construção do primeiro trecho da Estrada de Ferro Therezopolis, foi José Augusto Vieira convidado a requerer essa concessão que lhe foi outorgada pelo Decreto acima.
Como condição essencial a realização dessa obra, obteve José Augusto Vieira permissão para utilizar-se do leito da antiga estrada de rodagem “União e Indústria” que jazia abandonado e quase intransitável.
Submetido à aprovação os respectivos estudos, logo executados, e tendo o Governo passado às mãos do Dr Alberto de Seixas Martins Torres, pareceu conveniente para o Estado que fosse a “Leopoldina Railway” já então, companhia inglesa, a explorar de tal concessão, como complemento de sua rede.
Apelando Alberto Torres para José Augusto Vieira, devolveu-lhe este, a referida concessão sem pensar, absolutamente, em qualquer compensação pela desistência do seu direito.
Depois de insistentemente procurar o Presidente do Estado retribuir o ato de cavalheirismo que acabava de praticar, respondeu-lhe José Augusto Vieira que, bastava que o Estado lhe concedesse, por empréstimo, uma draga de alcatruzes que possuía, a fim de abrir o canal de acesso ao porto da Piedade, e
facilitar a atracação das embarcações de cargas e de passageiros destinadas à sua estrada de ferro. Correriam, entretanto, por conta de José Augusto Vieira todas as despesas de pessoal, combustível e lubrificantes, enquanto a draga estivesse no seu serviço.
Foi-lhe imediatamente, entregue o aparelho, e executado o canal em mais de dois anos de trabalhos penosissimos, atendendo-se à dureza do material a escavar.
A obra foi iniciada em 27 de Dezembro de 1897 e terminada em Maio de 1900.
Assim noticiou o “O Paiz”, órgão de grande autoridade na época, dirigido por Quintino Bocayuva, a inauguração desse melhoramento.
ESTRADA DE FERRO THEREZOPOLIS
É já sobejamente conhecida a Estrada de Ferro que liga o porto da Piedade á raiz da Serra dos Órgãos, na garganta que dá para a formosa e incomparável cidade de Therezopolis.
Emprehendimento audacioso de um distincto brasileiro, o Sr. José Augusto Vieira, o Mauá da actual geração, essa Estrada inaugurada em 1896, representa uma victoria sobre o azar que malsinou outras empresas, e constitue um dos elementos principaes da prosperidade material do Município de Therezopolis.
Exclusivamente á sua custa, o Sr. José Augusto Vieira lançou esses 22 kilometros de via-ferrea, interessado como patriota em facilitar o acesso á mais pittoresca e mais saudável cidade de verão que se offerece aos habitantes dó Rio de Janeiro.
Depois da Estrada, porém, inaugurada com a presença das primeiras autoridades do Estado e de nosso chefe o Sr. Quintino Bocayuva, alguma coisa restava a fazer. Não era levar a cremalheira ao alto da Serra, até junto do Dedo de Deus pois, ainda é cedo para crestar com as baforadas da chaminé de uma locomotiva a belleza virginal daquella serra íngreme, que a liteira e o cavalo galgam em menos de duas horas. A subida da serra é um dos mais bucólicos prazeres do veranista; é indispensável fazel-a de vagar, parando deante dos mil quadros que a natureza offerece ao olhar extasiado do viandante. O que restava fazer era levar a barca até junto do trem, evitando a incommoda baldeação para um “caíque”, tocado á vara, num percurso de mais de 1.000 metros. Essa obra foi levada a termo.
O Sr. Vieira, exercendo uma actividade que não sómente o honra, porque também honra o Brasil, fez abrir um canal de 1.000 metros por onde a barca da Cantareira penetra, indo atracar a uma bella ponte de 100 metros, com fluctuante. Era uma obra reputada irrealizável, que ninguem tentaria, que effectivamente absorveu farto capital e longos mezes de incessante trabalho; mas é hoje uma obra concluída, rigorosamente bem executada, vestíbulo digno da adeantada e paradisíaca Therezopolis.
Esse canal e essa ponte foram ante-hontem inaugurados. A barca não pára mais ao largo; atraca directamente; o passageiro não tem mais necessidade de baldear para o incommodo “caíque”: desembarca directamente sobre a ponte, no extremo da qual se acha o trem que o transporta rápido, da beira mar á raiz da Serra, via Magé.
A essa festa inaugural de um melhoramento que valoriza importante zona do Estado do Rio de Janeiro, concorreram pessoas desta Capital e de Petrópolis.
Desta ultima cidade, partiram ás 7 ½ horas da manhã os Drs. Virgilio Franklin, Secretario de Obras, Marcellino Ramos, Director de Obras, Marques de Leão, engenheiro da mesma Directoria; Theophilo de Almeida, deputado estadual, e Osório Duque Estrada funccionario publico. Alguns representantes da imprensa também desceram da Capital do Estado.
Em Mauá, tomaram a lancha e dirigiram-se á Olaria e ao escriptorio da Commissão do Saneamento da Baixada do Estado, onde o engenheiro chefe, Dr. Ancora, franqueou a visita ao escriptorio e dependências, offerecendo a todos um saboroso café. Depois, seguiram para Piedade, sendo recebidos pelo Dr. Pinto de Oliveira, engenheiro da Estrada de Ferro Therezopolis, o qual os acompanhou a Magé. Ahi foram recebidos pelos Drs. Siqueira, Presidente da Câmara Municipal e Ferreira Pinto, Juiz de Direito. O Dr. Virgilio Franklin como as demais pessoas, percorreu uma parte da cidade, inspeccionando obras estaduaes, e a cadeia, e visitando a fabrica de tecidos Magéense.
Regressando a Piedade encontraram-se os excursionistas petropolitanos com o Sr. José Augusto Vieira, que já havia chegado da Capital acompanhando amigos, admiradores de sua tenacidade de industrial, e alumnos da Escola Polytechnica. Pouco depois, chegaram em trem especial alguns veranistas de Therezopolis, e membros da Câmara Municipal da mesma cidade.
Serviu-se então, um succulento almoço, sendo erguidos ao champagne os brindes mais expressivos do quanto é apreciada no Estado do Rio de Janeiro a obra valorosa do Sr. José Augusto Vieira.
Depois deste senhor ter saudado os amigos que o acompanharam naquella hora de jubilo pela realização de tão real melhoramento, falou o Sr. Lacerda, digno secretario da Escola Normal de Niteroy. Foi uma oração felicíssima! Declarando-se filho daquella região beneficiada pela fecunda actividade do Sr. José Augusto Vieira, produziu trópos de mágica inspiração para agradecer em nome de Therezopolis a obra do infatigável industrial. Depois, tomou a palavra o Sr. Veridiano de Carvalho, que soube, também, apreciar devidamente a origem daquella festa, seguindo-se-lhe o Dr. Virgilio franklin, illustre Secretario de Obras Publicas do Estado. S.Exa. fez um discurso de bello effeito, negando o direito ao próprio Estado de ter o brinde de honra, quando o brinde de honra de direito pertencia ao gênio yankee de José Augusto Vieira.
Outros oradores tiveram a palavra para manifestações de regosijo e congratulações terminando o repasto com um brinde á Republica erguido pelo Dr. Virgilio Franklin.
Ás 3 ½ regressaram os funcionários do Estado a Petrópolis, os magéenses e therezopolitanos a seus lares, e os amigos do honrado industrial ao Cães Pharoux, deixando a tremular nas balizas do grande canal os galhardetes festivos, e acmpanhando até longe o tremular das bandeiras que engalanavam a sólida ponte de Piedade. Ficava inaugurado com symbolicas demonsrtrações de applauso mais um porto elegante no litoral do Estado do Rio de janeiro.
“O Paiz” também tem orgulho em assignalar esse acontecimento.
Oitos anos depois, José Augusto Vieira em seu discurso em 19 de Setembro de 1908, quando da chegada do trem a Therezopolis, assim declamou sobre este feito
. . . Surgio, porém, logo, nova contrariedade: Estávamos sem porto. As embarcações de passageiros e de cargas eram obrigadas a fundear a dois mil metros de terra para não encalharem. O enrocamento do litoral, na extensão de cem metros, formando um cais, tornara-se inutilidade. Fez-se necessária a dragagem de um canal para tornar possível a atracação das embarcações. Trabalhou para esse efeito, durante um ano, uma draga que cavou, em 1.000 metros longitudinais e 25 metros de largura, 3,30 m. de profundidade, não podendo chegar até ao enrocamento por haver encontrado no fundo resistências cada vez maiores. A solução foi lançar, de terra, ao encontro do canal, a ponte que lá está, com 100 metros de comprimento e que será, brevemente, substituída por um aterro. . . .
2 comentários:
Informações relevantes e fiéis a história da Estrada de Ferro Therezópolis, que completa 99 anos neste 19 de setembro de 2007.
Parabéns JB
Wanderley Peres
Pena que só em 2015 pude ler essa raridade e me deliciar com uma história tão fascinante. Parabéns!
Postar um comentário